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20 de Maio de 2024
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    Caos nos presídios brasileiros: apenas a ponta do iceberg?

    Publicado por Claudio Suzuki
    há 10 anos

    Por CLAUDIO MIKIO SUZUKI* e MARINA ARMOND*

    Que a situação das prisões no Brasil não é boa, já é notório há muito tempo, chegando ao ponto da Ordem dos Advogados do Brasil efetuar uma denúncia, contra o Governo Federal, na Organização dos Estados Americanos (OEA), motivada pela superpopulação carcerária, que o Estado de Porto Alegre havia se comprometido a reduzir pela metade, além dos demais problemas, como o esgoto correndo a céu aberto no pátio do presidio, controle de alas por gangues e a falta de separação de presos pelo grau de periculosidade e tipo de delito cometido.

    Os problemas no presídio de Porto Alegre continuam, como os problemas elétricos, falta de prevenção contra incêndio, cujos extintores inertes e inúteis podem ser usados como armas.

    Infelizmente, a questão não se restringe ao sistema carcerário de Porto Alegre, como pode ser verificado no site da UOL, em matéria sobre o presidio do complexo de Pedrinhas, em São Luis, Maranhão. Argumenta-se que a Governadora “perdeu controle de parte do território” (1). Ali os problemas são de segurança, dentro e fora do presidio.

    Esta falta de segurança fica clara quando se relata os riscos daqueles que visitam os presos e deles mesmos. A matéria da UOL traz dados de que mais de 50 detentos morreram na penitenciária, sendo que em uma das rebeliões três presos estavam com as cabeças separadas do corpo, o que nos remete a séries de ficção que se passam em tempos medievais, em que a barbárie era considerada algo natural e as cabeças na estaca em frente a portões de castelos era sinal de poder. Cena que parece absurda para o século que vivemos.

    Mas, infelizmente, quando o assunto é política criminal, acabamos nos deparando com certos absurdos, como os acima descritos, e os problemas não estão somente nestes presídios citados, mas sim por todo o país nos deparamos com os direitos humanos dos presos sendo violados. Sim, presos tem direitos humanos, como todos os demais cidadãos, por mais que alguns acreditem que tais direitos são somente aplicados a estes, a realidade não é bem essa, pois aqueles direitos garantidos na constituição são a todos aplicados, afinal, todos tem direito a liberdade, de expressão, de ir e vir, da inviolabilidade de domicilio, etc.

    Por mais polêmica que sejam tais afirmações, não deixam de ser verdadeiras, temos que parar de pensar com o cérebro que segue a mídia, e a legislação deve ser aplicada da forma correta, ou seja, a discussão aqui é centrada basicamente na função da pena e em como esta não está sendo cumprida.

    Sabe-se que a pena no Brasil adota-se a teoria mista ou eclética, que tem como função (pelo menos em tese) o de retribuição, bem como a ressocialização e a reeducação, sendo que Eugenio Raul Zaffaroni os descreve da seguinte forma:

    Conforme as opiniões mais generalizadas atualmente, a pena, entendida como prevenção geral, deve ser retribuição, enquanto entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização. A retribuição deve devolver ao delinquente o mal que este causou socialmente, enquanto a reeducação e a ressocialização devem prepara-lo para que não volte a reincidir o delito. Ambas as posições costumam ser combinadas pelos autores, sendo comum em nossos dias a afirmação de que o fim da pena é a retribuição e o fim da execução da pena é a ressocialização (doutrina alemã contemporânea mais corrente)(2)

    O art. 59 do Código Penal que trata sobre a aplicação da pena, o juiz deverá observar o binômio reprovação e prevenção, senão vejamos:

    Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

    (destacamos)

    No mais, reza nossa lei de execucoes penais, já em seu primeiro artigo:

    Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

    (destacamos)

    No mesmo sentido trata a convenção americana de direitos humanos de 1969, mais conhecida como pacto de San Jose da Costa Rica, em seu artigo 5ª, 6:

    6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

    (destacamos)

    A Lei de Execução Penal (LEP) traz ainda em seu artigo 84 e seus parágrafos sobre a separação dos presos, sendo que os presos temporários devem ficar separados daqueles que já tem sentença transitada em julgado, assim como os réus primários não devem dividir o ambiente com os reincidentes.

    Os artigos seguintes tratam da lotação das penitenciarias, que devem ser compatíveis a sua estrutura, e de como as celas devem ser, pela legislação, devem ser individuais, com determinações de como será o alojamento.

    Como bem sabemos, a situação nos presídios Brasileiros não é bem a prevista na legislação, como ficou demonstrado no caso polêmico do Maranhão, que já houve até pedido da ONU para que sejam tomadas providências, pois os presos não estão separados e as celas são tudo, menos individuais.

    Ora, nós sabemos que pela lógica, não se deveria colocar um “ladrão de galinhas” junto com um homicida, pois ao invés de reeducar e ressocializar é mais provável que o primeiro acabe saindo pior que entrou, popularmente chamado de “universidade do crime”. Neste sentido é interessante citar uma passagem de Plutarco que Hugo Grotius cita em sua obra Direito da Guerra e da Paz:

    Nenhum homem é ou foi por sua natureza um animal selvagem ou insociável, mas ele se torna cruel a partir do momento em que adquiriu maus hábitos contra as regras da natureza. Através de hábitos contrários, por uma mudança de vida e lugar, ele retorna novamente à mansidão. (3)

    Nos parece que já naquela época se entendia que era possível a ressocialização e de que o ambiente influi e acaba por modificar a natureza daquele ser humano exposto a certas situações.

    E é responsabilidade do Estado tornar possível a reeducação e ressocialização, dando este novo espaço em que o indivíduo retornará a mansidão. Mas para isso é preciso que se respeite o determinado na legislação e que acima de tudo, se respeite os direitos fundamentais não só daqueles presos, mas sim de todos os presos.

    Sabe-se que no passado, não era incomum o famoso dente por dente olho por olho, ou seja, punia-se o infrator de acordo com crime cometido, sendo a pena cruel ou não, acreditava-se que isso era o conceito de justiça, como se demonstra na citação de Grotius:

    Não é naturalmente injusto que cada um sofra tanto mal quanto ele praticou, seguindo o princípio que chamamos de o direito de Radamanto “Se cada um sofrer o que fez sofrer aos outros, isso seria obra de justiça e de equidade.” Sêneca, o pai, reproduz essa frase desse modo: “é considerada retribuição muito justa que cada um pague com seu suplicio o mal que fez a outrem”(4)

    Por incrível que pareça, algo proferido há tantos séculos atrás, principalmente se verificarmos que Sêneca, citado pelo autor data de 58 a. C, e tivemos também o Código de Hamurabi, que vem neste mesmo viés.

    Ocorre, que principalmente após a segunda grande guerra, com vinda da carta da ONU e a declaração universal de direitos humanos, coloca-se um basta em tratamentos cruéis, seja com indivíduos que cometem delitos, seja com cidadãos comuns.

    Mas antes mesmo de todas as leis que previnem e defendem que se mantenha acima de tudo a dignidade da pessoa humana, Eurípedes e Lactâncio, já tinham uma visão diferente da pregada por Radamanto e Hamurabi, qual seja:

    Eurípedes nos ensina, nos versos seguintes, que tal havia sido outrora o uso na Grécia: “Com quanta propriedade o previdente século de nossos ancestrais havia estabelecido que aquele que se tivesse tornado culpado de assassinato fosse forçado a evitar o encontro e o olhar dos demais homens e expiar seu crime por um triste exilio, mas não pela morte.” (...) Lactâncio diz: “Ainda parecia criminoso infligir a pena capital a seres que, embora perversos, são contudo homens.”(5)

    O que parece ser certo, é que o mundo evoluiu, pelo menos parte dele, de Hamurabi a proteção de direitos básicos, proibindo a tortura, a pena física, dentre outras, determinou-se que as penitenciárias atendessem um mínimo, para que se cumprisse a pena com dignidade, e visando a volta do indivíduo a sociedade, de forma que não voltasse a delinquir, pelo menos em teoria.

    Em alguns países, a teoria é a realidade, tanto que a Suécia e a Holanda chegaram a fechar presídios por falta de presos, pode-se então supor que o sistema carcerário funciona, a ponto de talvez reeducar e ressocializar e estes indivíduos não voltem a delinquir. (6)

    Em contrapartida, temos os fatos narrados acima, em que houve a necessidade da OAB se manifestar e ir na corte interamericana, na ONU e pedir que haja intervenção e até o momento apenas medidas paliativas foi feito para resolver a situação da penitenciária do maranhão.

    A realidade é que o problema acontece em todos o país, eis que o Estado sempre falhou em cumprir a LEP, mas que veio novamente à público, face aos absurdos reportados publicamente nas penitenciárias de Porto Alegre e do Maranhão. Acreditem é apenas a ponta do iceberg.

    * Claudio Mikio Suzuki é Advogado. Mestre em Direito pela FMU/SP. Aluno regular do curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Especialista em Direito Penal (2001) e Processo Penal (2002) ambos pela FMU/SP. Professor do curso de graduação e pós-graduação em Direito da UniNove/SP, da pós-graduação em Direito da FMU/SP e do Curso de Extensão Universitária em Direito Digital do SENAC/SP.

    * Marina Armond Ferreira é Advogada. Pós graduada em Direito Penal pela Universidade Nove de Julho – Uninove/SP (2013). Bacharel em Direito pela Uninove/SP (2012).

    NOTAS

    (1)http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/12/24/chefoes-do-crime-estupram-mulheres-de-detentos...

    (2) ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, Jose Henrique. Manual de direito penal. Parte geral. 3ª ed. 2001. P.92

    (3) GROTIUS. Hugo. Direito da Guerra e da Paz. Volume 1. 2ª ed. Editora Unijui.2005. P.87

    (4) GROTIUS. Hugo. Direito da Guerra e da Paz. Volume 1. 2ª ed. Editora Unijui.2005. P.110

    (5) GROTIUS. Hugo. Direito da Guerra e da Paz. Volume 1. 2ª ed. Editora Unijui.2005. P.111

    (6) http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/suecia-fecha-quatro-presidios-por-falta-de-detentos/ e http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2013/06/governo-holandes-estuda-fechar-prisoes-devido-falta-de-criminosos.html

    • Sobre o autorAdvogado, Professor Universitário, Doutor em Direito pela PUC
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